Em meados da década de 1840, Ada Lovelace registrou na história o que muitos consideram o primeiro programa de computador. Quase dois séculos depois, a tecnologia ocupa o centro da economia global, mas a presença das mulheres nesse setor ainda enfrenta barreiras significativas.
Uma pesquisa da consultoria McKinsey & Company, em parceria com a organização de impacto social Laboratoria, mostra que menos de 30% da força de trabalho em tecnologia na América Latina é composta por mulheres. Embora haja um movimento crescente de profissionais migrando para o setor, apenas metade das empresas da região possui políticas estruturadas para reduzir a disparidade de gênero.
Novas oportunidades

O estudo ouviu 126 empresas e entrevistou 796 profissionais da região. Um dado positivo é que muitas mulheres têm ingressado no setor sem necessariamente virem de formações tradicionais em tecnologia. Áreas como pedagogia, economia e saúde estão entre as origens de profissionais que enxergam no digital um caminho de crescimento. No Brasil, 22% das mulheres que atuam em cargos de tecnologia fizeram uma transição de carreira, segundo o levantamento.
Além disso, os vieses de gênero têm menos peso no momento da contratação: a chance de aprovação de uma mulher em um processo seletivo é semelhante à de um homem. O problema é que apenas um terço dos currículos recebidos pelas empresas vêm de candidatas.
Se a porta de entrada já não é o principal gargalo, o desenvolvimento dentro das empresas ainda é. Oito em cada 10 organizações afirmam ter ao menos um terço de mulheres em posições iniciais na área de tecnologia, mas essa presença cai pela metade em cargos de liderança.
As promoções refletem essa desigualdade: apenas 24% das pessoas promovidas em cargos de entrada eram mulheres, percentual que cai para 17% nos cargos seniores. A falta de acesso à capacitação contínua é outro entrave apontado pelas entrevistadas.
Um exemplo de enfrentamento dessa barreira vem da peruana Belcorp, que criou a Data Academy. A iniciativa oferece trilhas de aprendizagem em funções ligadas à tecnologia e análise de dados, incentivando especialmente a progressão de carreira feminina em áreas onde a representação ainda é baixa.
Carreira interrompida
Sem perspectivas claras de crescimento, muitas profissionais acabam deixando o setor. No Brasil, mais da metade das mulheres que cogitam sair de suas empresas apontam a falta de oportunidades de ascensão como principal motivo — bem acima da busca por equilíbrio entre vida pessoal e profissional (18%).
A desigualdade salarial também pesa. Mais de um quarto das empresas consultadas reconhecem que mulheres recebem menos do que homens em funções equivalentes. No Brasil, a diferença chega a 10% nos cargos mais altos, além de uma redução de 25% nas bonificações em comparação aos pares masculinos.
Iniciativas de equidade já começam a mudar esse cenário. O Itaú Unibanco, por exemplo, realiza auditorias salariais anuais para corrigir disparidades, enquanto a Natura adota estudos recorrentes para assegurar igualdade de remuneração em funções equivalentes.
Diversidade que gera valor

Promover diversidade não é apenas uma questão ética — também é um diferencial de negócio. O relatório Diversity Matters Even More aponta que empresas comprometidas com diversidade de gênero têm 39% mais chances de alcançar resultados financeiros acima da média.
Na era da inteligência artificial, a presença feminina no setor também significa criar sistemas menos enviesados, capazes de refletir diferentes realidades e formas de pensar. “Na ENGIE, desenvolvemos o Programa Fifty-Fifty, que tem como propósito alcançar a paridade de gênero em cargos de liderança até 2030. Para isso, trabalhamos na criação de oportunidades, oferecendo condições para chegar aonde queremos: impulsionar as carreiras femininas dentro da empresa”, contou Clarice Romariz, diretora-presidente da ENGIE Soluções de Operação e Manutenção em um encontro do W20 (o grupo de trabalho de mulheres do G20).
A desigualdade de gênero em tecnologia não será superada sem ações concretas. Iniciativas de inclusão, políticas de promoção e equidade salarial são passos fundamentais para “quebrar o código” e reduzir uma dívida histórica que remonta ao século XIX, quando Ada Lovelace se tornou a primeira programadora da história.