As cooperativas brasileiras estão ampliando o uso de inteligência artificial (IA) para modernizar processos, ganhar eficiência e responder a um mercado cada vez mais digital e competitivo. Levantamento publicado pelo Valor Econômico mostra que o foco atual está em aplicações de atendimento e análise de crédito. Um exemplo é o Sicoob, que adota a assistente virtual Alice para conduzir contratações via WhatsApp. “A Alice faz todo processo e, em mais de 80% dos casos, conseguimos resolver a contratação”, afirmou a instituição.
Além de acelerar o atendimento, a IA permite análises de crédito mais precisas, combinando dados tradicionais e variáveis alternativas para reduzir riscos e melhorar a concessão de financiamentos.
Agro digital

No campo, a tecnologia avança com força no setor agropecuário, especialmente no apoio à gestão das propriedades e à tomada de decisão. Em reportagem sobre digitalização do agronegócio, Celso Macedo, da Farmers Edge, explica que grandes produtores compram insumos e soluções digitais diretamente dos fornecedores, enquanto médios e pequenos recorrem às cooperativas para acessar essas tecnologias. “Em São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, há cooperativas com clientes de até 200 hectares. No Centro-Oeste é outra escala. Grupos de até 10 produtores se juntam e montam cooperativa de 50 mil hectares. É só percorrer a BR-163 para ver dezenas de cooperativas”, contou.
Essas ferramentas ajudam no monitoramento das lavouras, na gestão de insumos e até na previsão de safra, criando ganhos de produtividade e eficiência que seriam difíceis de alcançar individualmente.
A inovação também chega à classificação de café, um mercado em que diferenças sutis impactam fortemente o valor final do produto. Em setembro de 2024, a Cooxupé e a Minasul firmaram parceria com a startup de Cingapura ProfilePrint para adotar equipamentos que usam IA na análise dos grãos. Dependendo da qualidade, o valor do café verde pode variar cerca de R$ 200 por saca de 60 kg.
A reportagem da CNN Brasil esclarece que a tecnologia não substitui o trabalho dos provadores humanos, profissionais treinados para certificar a qualidade do café. “Não vai substituir o provador. O que a gente quer com a máquina é consistência no processo de classificação”, explicou Nicholas Yamada, country manager da ProfilePrint.
Desafios culturais e estratégicos
Especialistas alertam que a adoção de IA nas cooperativas exige cuidado para não comprometer a essência do modelo. “Essas ferramentas foram treinadas com dados gringos, validadas por empresas com lógicas diferentes. A IA que está aí fora foi feita para um mundo de comando e controle, e não para o modelo colaborativo das cooperativas”, disse Ricardo Cavallini, membro da Singularity University, ao portal da OCB (Organização das Cooperativas do Brasil)
Para ele, o desafio é incorporar inovação sem apagar valores como escuta, pertencimento e propósito. “A grande virada está nas pequenas aplicações. A IA não precisa ser algo gigantesco. Muitas vezes, são soluções simples aplicadas com inteligência que transformam o negócio”, afirma.
Em artigo na MIT Sloan Review, Lucas Bragagnolo, gerente de Inovação na Sicredi Ouro Verde (MT), classifica a IA generativa como um divisor de águas para as cooperativas de crédito. Ele ressalta que o relacionamento humano sempre foi diferencial dessas instituições, mas agora enfrenta a concorrência de sistemas capazes de oferecer experiências hiperpersonalizadas e proativas.
Bragagnolo alerta que o risco não está em substituir parte do atendimento humano, mas em não potencializá-lo com a tecnologia. Ele relata ter capacitado equipes para usar copilotos de IA no dia a dia, reduzindo em 30% o volume de atendimentos para dúvidas normativas. “Comece pequeno, mas comece. Meça cada passo dado. Perguntar a si mesmo ‘Será que preciso continuar fazendo isso ou poderia ser feito por IA?’ abre espaço para nos dedicarmos ao que só nós, humanos, podemos fazer – nutrir confiança, criar pertencimento e transformar comunidades”, recomenda.