Com a aceleração do uso da inteligência artificial, cresce também a consciência de que a infraestrutura atual, concentrada em grandes nuvens, precisará passar por uma transformação estrutural. “A infraestrutura em todo o mundo está sendo adaptada. O que temos hoje consegue atender às demandas, mas os investimentos e ajustes serão inevitáveis. As nuvens não podem mais ficar centralizadas como tínhamos antes”, afirmou Diuliana França, diretora de soluções cloud da Claro empresas, durante o painel Infraestrutura para IA: construindo uma base sólida para IA do amanhã, no Futurecom 2025.
Segundo os especialistas reunidos no painel, a próxima etapa será marcada por alta densidade energética e de refrigeração, pela disseminação do edge e pela necessidade de uma conectividade confiável e de baixa latência.
Leonardo Mendes, diretor de infraestrutura e operações da Cogna, destacou que a IA trouxe ganhos concretos de produtividade e personalização no ensino para mais de um milhão de alunos, em cursos presenciais e a distância. Segundo o executivo, uma das consequências da adoção de ferramentas de IA no desenvolvimento foi a valorização dos analistas e programadores mais experientes. “As pessoas que conhecem melhor os processos têm sua produtividade impulsionada”, disse. Entre as aplicações, a empresa já utiliza IA para ajustar conteúdos a escolas religiosas e criar ferramentas que marcam trechos de aulas e formulam perguntas com base nas bases de conhecimento da instituição.
Na administração pública, Fernanda Bruno dos Santos, gerente executiva de Inovação e IA da Dataprev, observou que a eficiência e o impacto ambiental passaram a integrar a pauta das decisões sobre infraestrutura. “Pelo consumo de recursos da IA, a eficiência energética e o impacto ambiental ganharam peso na pauta de investimentos”, afirmou.
Carlos de Queiroz, executivo de arquitetura, dados e IA da Transpetro, ressaltou que a aplicação de IA traz ganhos expressivos de eficiência operacional. “Um dos principais objetivos da nossa estratégia é exatamente reduzir o consumo de energia e os custos operacionais. Com mais de 8,5 mil quilômetros de tubulações, as ferramentas que permitem análises e otimizações têm grande efeito na qualidade da gestão de ativos, na segurança e nos resultados da companhia”, afirmou.
A visão de longo prazo dos especialistas é de uma arquitetura híbrida e de múltiplas camadas, combinando datacenters, nuvens e bordas. “A infraestrutura de IA será híbrida e descentralizada”, resumiu Diuliana. “Não se trata de construir a infraestrutura, desenvolver a aplicação e rodar. É preciso entender a demanda e planejar de trás para frente.”
A executiva enfatizou que a IA exige uma jornada sustentada sobre pilares de automação, gestão, governança, segurança, proteção de dados e compliance. “Os mesmos fundamentos que usamos na nuvem tradicional precisam ser adaptados à nova realidade de IA”, lembrou.
Datacenters para ecossistemas hiperconectados

A redefinição das demandas geradas por TI e suas aplicações adjacentes também foi foco no painel Data Centers: o Brasil como um polo estratégico.
André Busnardo, diretor da Tecto Data Centers, destacou que os hyperscalers (grandes provedores globais de nuvem) agora buscam aproximar o processamento dos clientes. “Além de demandar capacidade, querem reduzir a latência e levar o processamento para onde o dado é gerado”, afirmou.
João Walter, diretor da Ascenty, explicou que a infraestrutura tradicional não comporta a densidade necessária para as novas cargas de trabalho. “Com as implementações de IA, o consumo passa de 6 kW por rack para algo entre 15 e 30 kW nos servidores de inferência e pode ultrapassar 100 kW nas máquinas de treinamento”, afirmou.
Os investimentos seguem na mesma proporção. “A construção de datacenters requer investimentos de alguns milhões por megawatt”, completou Walter. Essa pressão por eficiência energética, refrigeração e disponibilidade torna os datahalls (módulos autônomos dentro dos datacenters) uma tendência entre os operadores.
Segundo Ricardo Tadao Koyama, executivo da TCS, o Gartner projeta um crescimento de 71% na infraestrutura otimizada para IA no mundo, chegando a 103% no Brasil. “Temos mais de 180 datacenters no país, mais de 100 mil pontos de presença de operadoras e provedores, além da capilaridade das CDNs (redes de distribuição de conteúdo) e dos investimentos em edge computing”, disse. Ele lembrou ainda que a arquitetura de sistemas distribuídos ganha peso como premissa essencial, ao lado da articulação entre agentes públicos e privados e do fortalecimento da cadeia de suprimentos.
Victor Arnaud, presidente da Equinix, observou que a criação de serviços que exploram as redes de baixa latência levam ao uso de pontos locais das nuvens.
Renan Lima, presidente da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC), notou que, apesar dos investimentos dos provedores, 60% dos serviços em nuvem rodam fora do país. “Até agora, os investimentos vieram em função do mercado interno”, reconheceu. Ele avalia, entretanto, que a valorização dos certificados de sustentabilidade, com energia renovável, junto à simplificação tributária podem tornar o Brasil um centro de desenvolvimento e processamento de IA.
“Com redes 5G, automação e aplicações sensíveis à latência, a infraestrutura distribuída se torna mais importante. Estava tudo rodando em nuvens centralizadas e agora temos mais casos de uso de missão crítica”, constatou Matheus Rodrigues, líder de tecnologia, mídia e telecomunicações da Deloitte. Ele ponderou que inovações como redes privativas 5G, edge e IA têm seus investimentos justificados mutuamente. “É um ecossistema em que a evolução de cada componente depende do volume de adoção do outro”, descreveu.
Crislaine Corradine, diretora de negócios da Elea, estima que a carga tributária se reduza em até 40% com as isenções previstas no ReData. A executiva destacou que a agilização de outorgas, certificações e outros processos é tão importante quanto a atenuação dos impostos. Com a resolução dessas lacunas, as vantagens de sustentabilidade e os próprios investimentos em datacenters otimizados para as novas cargas, os planos da Elea incluem a captação de serviços para o mercado externo.
Soberania digital na agenda
Outro ponto destacado nos painéis foi o aumento da atenção à soberania digital. “Até agora, nos preocupamos em proteger o negócio. Agora, a questão da soberania entra em pauta”, observou Mauro Andreassa, professor da PUC-MG e do IMT.
Para Diuliana, a soberania não se resume à localização física dos dados. “Plataformas soberanas não se definem só pela localização. Temos que rever se os controles de soberania e compliance funcionam”, destacou. Em sua avaliação, o debate é global e ainda está em evolução no Brasil. “Na Europa, o tema está mais maduro. Aqui, estamos ajustando regulações, controles e processos de governança para entender o que significa nuvem soberana no contexto brasileiro”, esclareceu.
Além da soberania, os especialistas reforçaram que a sustentabilidade e a eficiência energética serão diferenciais competitivos. Com incentivos previstos em políticas como o ReData, que reduz a carga tributária e desburocratiza processos, o país pode se consolidar como um destino estratégico para infraestrutura de IA.