A expansão da infraestrutura de data centers no Brasil está ligada tanto ao desenvolvimento econômico quanto a questões de soberania digital. No aspecto econômico, o Brasil tem oportunidade de expandir a infraestrutura local, atraindo grandes players de tecnologia e captando divisas para o país. Isso porque tem redes de telecomunicações confiáveis e matriz de energia elétrica mais de 90% renovável. Em relação à soberania, o alerta é de que 60% dos dados brasileiros armazenados em cloud computing estão em data centers fora do país, o que pode tornar o país vulnerável a interesses estrangeiros, sobretudo em setores essenciais como água, energia, mineração e telecomunicações.
O assunto foi tema em painéis da Futurecom, nos quais representantes de órgãos públicos e de empresas privadas expuseram as oportunidades e os desafios a serem enfrentados para aproveitá-las. Destaque para dois deles: o “Data Centers: A revolução industrial no Brasil” e o “Sustentabilidade de Rede – Investimento em infraestrutura e Energético”, realizados nos dois primeiros dias do evento.
Oportunidades
O otimismo está na matriz energética renovável, na qualidade da rede de telecomunicações e nos centros de excelência em pesquisa, tecnologia e inovação, como pontuou Marcos Ferrari, presidente executivo da Conexis Brasil Digital. “Por isso, não tenho dúvidas de que o Brasil tem condições de se tornar um dos maiores hubs digitais do mundo até o fim desta década”, disse.
Sobre a robustez das redes de telecomunicações, ele lembrou da capacidade demonstrada durante a pandemia, que permitiu a rápida migração da economia para o ambiente virtual.
O ex-senador e atual diretor-executivo da Aliança pela Internet Aberta (AIA), Alessandro Molon, também confia na qualidade das redes de telecomunicações para a expansão dos data centers no país. Ele defendeu que não há falha de mercado para o avanço da digitalização e da expansão dessas infraestruturas, e alertou: “é preciso tomar o cuidado para não criarmos regulações que distorçam o ecossistema”.
Segundo Molon, estudos da AIA mostram que o retorno sobre o investimento das grandes operadoras de telecomunicações é compatível com o de outros setores de infraestrutura. “As teles vão bem, obrigado, e lucram com a internet”, resumiu. Para o Brasil atrair mais investimentos em data centers, portanto, ele defendeu a combinação de fatores, como crescimento do PIB, tributação adequada e regulação estável. “Novamente, não há falha de mercado no uso das redes. As pessoas acessam cada vez mais provedores de aplicação porque é para isso que compram conexão. Eu pago conexão para acessar os meus streamings. O streaming não é um problema, é uma solução, portanto”, disse, posicionando-se contra a criação de uma taxa de rede.
E mais: medida desse tipo, na avaliação dele, só criaria os mesmos problemas registrados na Coreia do Sul. “Lá, foi um desastre: a conexão ficou mais cara, empresas saíram do país e a latência da rede aumentou.”
No que diz respeito à capacidade brasileira de criação e combinação de ecossistemas, Ferrari, da Conexis, lembrou o caso do PIX, que se tornou referência mundial ao ter democratizado o acesso ao sistema financeiro nacional. “Isso mostra que [no que tange data centers] há espaço para consolidar um dos maiores parques do mundo”, defendeu.
Atualmente, o país conta com 192 data centers, 90% deles concentrados no Sudeste e no Sul. “Olhando o mapa do país, vemos potencialidade de novos investimentos para o Centro-Oeste e Nordeste, sendo que o Ceará desponta como um hub, dada a localização dos cabos submarinos”, disse Ferrari.
Desafios

“Precisamos, como estado, ultrapassar as questões conjunturais e tratar os temas estruturais”, ponderou Juliano Stanzani, diretor do departamento de política setorial do Ministério das Comunicações. Nesse sentido, ele avaliou que o Brasil segue um bom caminho, ao colocar o conceito de universalização digital em uma contemporaneidade, de forma que os serviços que estejam sendo disponibilizados hoje possam ser consumidos com a qualidade de rede que se tem.
Outro desafio para atrair investimentos em tecnologia e, portanto, na implantação de data centers no país, é a regulação. E esse assunto figurou entre os mais comentados do Futurecom 2025.
Regulação

A assinatura da Medida Provisória Redata, realizada pelo presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, e enviada para avaliação do Congresso Nacional em 17 de setembro, foi considerada um primeiro passo importante nesse sentido.
No texto atual, a MP cria um regime de tributação especial para serviços de data centers, além de incentivar a descentralização dessas estruturas, hoje majoritariamente presentes em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Como provedor, digo que os possíveis clientes [empresas de data centers] viram a MP de forma positiva. Por outro lado, é preciso ver como os governos estaduais vão reagir”, disse Marcos Siqueira, CRO e head de Estratégia da Ascenty.
A fala de Siqueira pressiona pela redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), aplicado pelos estados. Para ele, à medida que o primeiro governador acenar com uma política de incentivo fiscal atrativa, cria-se “um caminho sem volta” para que os demais também o façam, o que estimularia mais investimentos em data centers.
Thiago Camargo Lopes, vice-presidente da Investe SP, ponderou que a questão tributária, já inicialmente endereçada pelo Redata, não resolve todos os desafios para o avanço do mercado de data centers no país. Pelo contrário: a transmissão e distribuição de energia elétrica, na visão dele, é um outro – e maior – desafio.
“Já tivemos regime tributário diferenciado para data centers em São Paulo e apenas uma empresa aderiu”, advertiu. “Hoje, portanto, mais importante do que tributo é a questão de distribuição e transmissão de energia. Precisamos reunir gente boa para isso”, enfatizou.
Data centers e energia

O ponto levantado por Lopes está no contexto do setor elétrico, no qual se comenta a necessidade de ampliar a capacidade de transmissão da energia gerada no Brasil. É algo complexo e que demanda não só investimentos em linha de transmissão e distribuição, mas também o redimensionamento da carga versus consumo, além de modelos de orquestração do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Em suma, hoje o Brasil gera bastante energia elétrica, mas ela não pode ser totalmente aproveitada porque falta capacidade de transmissão, o que leva o ONS a reduzir ou cortar a carga em muitos momentos. O problema é enfrentado por outros países também e é chamado de curtailment, sendo que a autogeração de energia (painéis solares fotovoltaicos) e a geração de energia por fontes intermitentes – eólica e solar – têm peso importante nisso.
“Há um ‘descasamento’ entre consumo e geração de energia. A matriz [de geração] cresceu, gera muita energia de manhã e não tem como escoá-la. No momento de pico, que precisa de transmissão – fim de tarde – não tem sol e vento e o ONS é obrigado a acionar as termelétricas. Na madrugada, começam a funcionar as eólicas, mas não há tanta demanda para elas. Enfim, não tem problema de geração, mas sim de transmissão. Então para dar uma única opinião a respeito da evolução dos data centers: o Brasil precisa investir em transmissão de energia”, contextualizou Ferrari.
Ao setor de data centers, Rodolfo Fucher, vice-presidente do Conselho da Associação Brasileira de Software (Abes), confirmou que “o Brasil precisa de muito data center” e é preciso descentralizar essas infraestruturas, até para tornar mais fácil a gestão de energia.
Com base em um estudo recente da Brasscom, Fucher lembrou que 1,7% da energia elétrica do Brasil já é consumida por data centers e isso deve mais que dobrar até 2029, chegando a 3,6%. “Para vermos um outro lado, podemos comparar a disponibilidade de data centers com a de energia elétrica, endereçada nos últimos anos com o programa Luz para Todos”, disse. “Ou seja, se antes tínhamos a necessidade de levar luz para todos, hoje os data centers passaram a ser importantes para levar competitividade digital para as empresas [e precisam de energia para isso]. Precisamos ter isso em mente, pensando também na questão da latência dos dados e, por isso, na importância de ter essa infraestrutura espalhada pelo país”, completou.
Em um painel sobre redes privativas, Eduardo Massaud, gerente de produtos da Claro empresas, explicou a questão da latência. Como exemplo, citou que dados gerados em São Paulo e transmitidos a João Pessoa (2,7 mil km) sofrem, naturalmente, atenuação (diminuição da potência do sinal de luz à medida que viajam através do cabo de fibra óptica). “Não tem milagre. Por isso, é preciso fazer algum processamento dos dados na borda”, disse. Ou, como sugere o mercado, espalhar os data centers para que esses estejam mais próximos tanto dos dados que irão processar quanto da energia elétrica gerada para abastecê-los.
Soberania e inclusão digital
Outra força a favor do desenvolvimento do mercado brasileiro de data centers está relacionada à soberania. Sim, hoje – e mais ainda com questões recentes contra o multilateralismo – a atenção à soberania dos países voltou à tona, e a parte digital tem o seu peso na questão. Além disso, há uma demanda reprimida para o aumento da digitalização empresarial do país.
Siqueira, da Ascenty, lembrou que, além de 60% dos dados armazenados em nuvem estarem em estruturas fora do país – o que está no contexto da soberania digital e também da oportunidade de demanda interna para data centers – há o fato de que 40% das empresas locais sequer terem um serviço de data center (em nuvem ou on premise) profissional.
Ao captar investimentos em data centers, o país pode, ao mesmo tempo, se beneficiar de desenvolvimento econômico e captação de divisas, segundo Siqueira. “Um data center de grande porte (100 megawatts de energia) representa um investimento de 1 bilhão de dólares, além de outros 7 a 8 bilhões de dólares em equipamentos e serviços”, calculou.
A MP do Redata – se não modificada no Congresso nesses termos – rege que, ao menos 10% dos serviços deverão ser reservados para o mercado interno brasileiro. Além disso, as empresas beneficiadas pelo programa terão de aplicar 2% de seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento nas cadeias produtivas digitais no Brasil.
Durante a assinatura do Redata, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, disse que “há expectativa de que o Brasil possa atrair R$ 2 trilhões de investimentos, ao longo de 10 anos”, no mercado de data centers.