Imagem de Silvio Meira, renomado cientista brasileiro, com barba branca, óculos e expressão séria, em fundo vermelho. Conhecido por suas contribuições na tecnologia e inovação. Sílvio Meira, cientista chefe da TDS Company

Quando a força vira fragilidade: setores robustos ficam expostos a choques sistêmicos

3 minutos de leitura

Áreas sólidas do ponto de vista econômico e institucional podem protagonizar ou ser afetadas por rupturas profundas, diz Sílvio Meira



Por Redação em 16/12/2025

Setores historicamente vistos como pilares de estabilidade — como o imobiliário, o energético, os serviços essenciais e os segmentos altamente regulados — estão entre os que mais acusam o impacto das transformações aceleradas. Em uma análise sobre o que chama de “mercados lentos”, o cientista Sílvio Meira argumenta que a robustez institucional que sustenta esses setores pode, paradoxalmente, torná-los mais vulneráveis a choques sistêmicos, especialmente em ambientes hiperconectados onde tensões silenciosas se acumulam ao longo de décadas.

Em um trecho do artigo Ruptura sistêmica e inteligência estratégica – a emergência dos cisnes vermelhos, o professor da UFPE e FGV examina como mercados tradicionalmente estáveis podem se tornar epicentros de ruptura, justamente porque confiam demais na previsibilidade que sempre os caracterizou. O tema também foi aprofundado por Sílvio Meira no podcast Próximo Nível, em uma conversa que detalha como essas rupturas hiperconectadas desafiam modelos tradicionais de estratégia.

“Longos períodos de estabilidade e crescimento podem mascarar o acúmulo de tensões latentes e fragilidades ocultas”, nota o pesquisador.

Segundo Meira, setores consolidados constroem, ao longo do tempo, mecanismos tão eficazes de estabilidade que deixam de revisar suas premissas. As instituições se fortalecem, os marcos regulatórios se solidificam, as práticas técnicas se estabilizam e tudo isso cria uma percepção de continuidade que, aos poucos, oculta tensões profundas.

Esses mercados desenvolvem não apenas estruturas pesadas, mas também crenças profissionais rígidas, que se tornam filtros para interpretar qualquer mudança.

O risco, segundo Meira, não decorre da falta de força econômica ou institucional, mas da sua durabilidade. Ao contrário dos setores ágeis, esses mercados acumulam camadas de expectativas que permanecem intactas por tanto tempo que deixam de ser questionadas. Quando o ambiente externo muda de forma abrupta, essas camadas entram em tensão. “Em situações de cisne vermelho, a rigidez institucional, combinada à cristalização de crenças profissionais, pode bloquear a inovação, atrasar a resposta e amplificar o impacto sistêmico”, afirma Meira.

Energia: o esgotamento das premissas

Setor de energia contemporâneo com usinas nucleares futuristas, linhas de transmissão e painel de controle digital com analistas monitorando dados.
Imagem gerada digitalmente

A atenção à demanda exponencial de energia tem entre seus marcos o livro The Coal Question, em que o economista William Stanley Jevons advertia, em 1865, sobre o colapso do sistema industrial pela escassez de carvão. A referência ilustra como crenças confirmadas empiricamente impedem a revisão de premissas fundamentais.

O setor de energia contemporâneo opera com planos de longo prazo, engenharia de grande escala e regulações que se transformam lentamente. No entanto, enfrenta transições tecnológicas, sociais e ambientais que se movem mais rápido do que sua capacidade de adaptação. A vulnerabilidade aparece justamente nesse descompasso. Infraestruturas pesadas e ciclos longos precisam responder a dinâmicas que, hoje, mudam no intervalo de poucos anos.

Mercado imobiliário: temporalidades em conflito

O mercado imobiliário, outro exemplo emblemático de mercado lento, convive com uma contradição semelhante. A lógica de valorização, os contratos de longo prazo e a função patrimonial do imóvel criam uma sensação de solidez. Ao mesmo tempo, mudanças rápidas na percepção de valor, na mobilidade urbana, na dinâmica do trabalho e no custo de capital expõem vulnerabilidades que permaneciam difusas.

O enfraquecimento gradual de contratos estáveis agora desafia até mesmo fundamentos de teorias monetárias. Comportamentos financeiros mais voláteis, recomposições urbanas e mudanças regulatórias aceleradas tornam o setor mais sensível a rupturas. A lentidão estrutural colide com a velocidade do entorno.

Serviços essenciais e setores regulados: estabilidade desequilibrada

A análise se estende ainda a serviços essenciais e setores altamente regulados, nos quais a estabilidade institucional é ao mesmo tempo requisito e obstáculo. Esses segmentos operam sob regras rígidas, alta especialização técnica e estruturas de missão crítica. Ao longo do tempo, essa rigidez se converte em blindagem, mas também em dificuldade de adaptação.

Setores como saneamento, transporte público, telecomunicações e infraestrutura pesada se movem dentro de arcabouços regulatórios que funcionam sob a lógica da continuidade. A consequência é que rupturas externas (tecnológicas, sociais ou econômicas) encontram sistemas organizados para resistir, não para se transformar. Isso amplifica o risco quando as mudanças exigem respostas rápidas e integração com outros setores em mutação.

A experiência como fator de distorção das observações

O problema destacado por Sílvio Meira não é a força desses mercados, mas o fato de essa força se apoiar em estruturas pouco revisadas. Quanto mais tempo um setor permanece estável, mais acumula premissas que se tornam invisíveis. Quando um cisne vermelho irrompe, é justamente essa falta de visibilidade que amplifica o impacto.

A musculatura que assegurou robustez por décadas — contratos longos, regulações densas, grandes ativos físicos e crenças técnicas consolidadas — torna-se o elemento que mais dificulta uma reação coordenada em um ambiente de alta interconexão.

Conforme a análise do professor, mercados lentos não são apenas afetados por rupturas sistêmicas; muitas vezes são o ponto de partida dessas transformações.



Matérias relacionadas

Representando cibersegurança, com destaque para um cadeado digital e uma pessoa usando telefone móvel em ambiente tecnológico. Inovação

Seis descuidos banais que custam caro à cibersegurança

Práticas simples e recursos já disponíveis evitam a maioria dos ataques digitais

Mulher com cabelo cacheado segurando um smartphone exibindo uma foto de uma modelo, focada na plataforma de reconhecimento facial. Inovação

Brasil é a vanguarda de digitalização na América Latina, segundo relatório

O processo avança na América Latina e coloca o Brasil na liderança regional com Pix, open finance, identidade digital e rápida adoção de inteligência artificial

Um smartphone exibindo o logo do Google AI, com o texto Google Deep Mind ao fundo simbolizando inovação em inteligência artificial Inovação

IA do Google supera programadores em desafio com múltiplas variáveis

Competição entre Gemini Deep Think e universitários ilustra potencial da combinação de IA e programadores, em código otimizado para processos complexos

Aplicativo ChatGPT Atlas rodando na tela de um smartphone sobre um teclado de computador, representando inovação na navegação e inteligência artificial. Inovação

Atlas: o navegador da OpenAI que quer reinventar a experiência de navegar na web

Inovador, o browser promete mais praticidade e automação em todas as etapas, embora ainda levante alertas sobre privacidade e segurança de dados

    Embratel agora é Claro empresas Saiba mais