O Brasil já tem mais de 1,5 mil cidades cobertas pelo 5G, o que representa atendimento a cerca de 70% da população, segundo o governo federal. Isto também significa que as metas previstas pelo leilão de frequências para o 5G, da Anatel, estão superadas em dois anos. Portanto, há, já hoje, conectividade móvel avançada na maioria dos centros urbanos, que concentram os maiores problemas de tráfego, segurança e mobilidade e, com isso, precisam ser “mais inteligentes”.
Do outro lado, câmeras, semáforos, dispositivos de pistas pavimentadas, mobiliário urbano e, principalmente, os automóveis estão ou podem estar altamente equipados com dispositivos IoT, capazes de captar e transmitir dados dos mais diversos tipos. Com conectividade e dados, a infraestrutura digital deixou de ser gargalo para a promoção de cidades inteligentes, conforme consensualizaram especialistas durante o Futurecom 2025.
É hora de aplicar
Com tecnologia disponível, a questão agora está nas aplicações de uso, sendo que tanto os municípios como parte do setor produtivo podem agir mais para aproveitar esse potencial com governança de dados, interoperabilidade de sistemas e desenvolvimento de soluções.

Maria Teresa Lima, Diretora Executiva da Claro empresas, resgatou que o edital de frequências privilegiou abrangência e cobertura nacional, impondo compromissos de longo prazo. “Tínhamos metas de atender cidades entre 2022 e 2029. Agora, em agosto, o setor antecipou em dois anos os objetivos previstos para 2027 e a competição favoreceu essa agilidade”, disse.
Vinicius Caram, superintendente da Anatel, reforçou que todas as aplicações de cidades inteligentes dependem de redes de telecomunicações. “Nosso trabalho tem sido avançar na expansão de redes de forma sustentável”, disse. Ele apontou ainda entraves regulatórios, como o fato de apenas 1,2 mil cidades brasileiras terem aprovado leis de antenas que permitem a instalação do 5G. “Sem uniformidade regulatória, cada município cria suas próprias regras, e isso atrasa a expansão”, explicou.
O superintendente reforçou que, além da questão de infraestrutura, é preciso garantir padrões comuns entre municípios, interoperabilidade de plataformas e integração com sistemas legados. “Outro ponto crucial é equilibrar inovação com proteção de dados. A governança precisa caminhar junto com a conectividade”.
A Claro já está presente com 5G em mais de 500 cidades, cobrindo 60% da população brasileira. Com o 4G, a operadora já alcança praticamente todos os municípios. Para Maria Teresa, essa infraestrutura de rede é a plataforma para soluções urbanas imediatas, principalmente o 5G, que proporciona baixíssima latência e, portanto, significa apoio direto a iniciativas como a automação de veículos. “No transporte urbano, uma pesquisa mostra que o brasileiro gasta duas horas por dia no trânsito. Isso se chama perda de produtividade e pode ser enfrentada com aplicações nas redes já disponíveis, inclusive a 4G, em algumas situações”, pontuou.
Ela exemplificou ainda que “só a montadora GM tem um milhão de carros conectados, fora os outros fabricantes”. Isso demonstra a possibilidade de aplicações inteligentes como, por exemplo, gestão de tráfego, segundo Maria Teresa. “O que está faltando é explorar aplicações em cima da infraestrutura que já existe. Semáforos, iluminação, controle de tráfego, tudo isso pode ser feito com 4G e 5G. Por outro lado, temos visto cidades ainda pensando em construir anéis de fibra óptica para ancorar câmeras de monitoramento. Não há essa necessidade. O convite é que as cidades experimentem o que já temos e eu acredito que é isso que vai acontecer em breve”, enfatizou.
Como casos de uso, a Claro lançou recentemente um produto em parceria com a Eletromidia. O programa, chamado Abrigo Amigo, é voltado à segurança de mulheres que usam transporte público à noite e consiste na instalação de mais de 600 câmeras de monitoramento nos pontos de ônibus, para que as usuárias que se sintam em perigo possam fazer uma videochamada e serem monitoradas em tempo real enquanto aguardam o transporte. “É um exemplo de como a rede 5G pode ser usada para gerar impacto social também. Além disso, os dados coletados permitem apoiar o poder público em planejamento, integração de modais, frequência e trajetos, além do reforço de segurança pública”, disse.
Para Mauro Periquito, conselheiro da 3R LOGTEC, essa lógica de uso de dados remete ao conceito de eficiência operacional aplicado às cidades. “O que já aplicamos em logística para ganhar eficiência pode ser replicado no espaço urbano, por exemplo”, observou.
Mobilidade e sustentabilidade andam juntas
A digitalização também muda a dinâmica da mobilidade elétrica. A 99, por exemplo, já tem veículos elétricos em 179 cidades, segundo Paula Maia, Head de Veículos Elétricos da empresa. Porém, a falta de interoperabilidade, tanto tecnológica quanto dos sistemas de carregamento, dificulta a operação.
Segundo Paula, há 20 mil pontos de recarga no país, mas eles são de diversos fornecedores diferentes. “Por isso, o usuário precisa de vários cadastros em aplicativos igualmente diferentes, o que é inviável”, disse. Contra isso, ela defendeu que o setor precisa se reunir para criar uma unificação (interoperabilidade), como foi o roaming de telefonia há décadas atrás.
Em outros casos, a executiva da 99 lembrou que alguns dos principais pontos de carregamento ficam em subsolos de garagens de prédios, shopping centers e outros estabelecimentos nos quais não se tem sinal de 5G. “Isso impede que os motoristas da 99 recarreguem os veículos, pois o processo de pagamento é todo digital”, disse. Nesse aspecto, Maria Teresa Lima lembrou que a tecnologia não é limitação, pois há soluções de redes internas que podem ser contratadas pelos estabelecimentos.
Desde 2022, a 99 vem tentando endereçar essas questões através da Aliança pela Mobilidade Sustentável, um grupo criado por ela que atua em cinco frentes: (1) pontos de recarga, (2) crédito para promover a eletrificação, (3) telemetria para medir impacto ambiental, (4) energia elétrica com foco em economia e (5) parcerias com montadoras.
Gestão e governança de dados

Assim como a conectividade está disponível, os dispositivos de internet das coisas para captação e transmissão de dados também estão. Contudo, de nada adianta captar e não gerir esses dados para a obtenção de informações relevantes, confiáveis e seguras. Tampouco se pode ferir a privacidade dos dados e, consequentemente, das pessoas sobre as quais eles se referem.
João Del Nero, Gerente de Vendas Data Analytics da Claro empresas, pontuou que a base das cidades inteligentes está na análise de dados já disponíveis – e sempre de modo anonimizado. Em outras palavras, significa que muitas vezes não é preciso iniciar novos levantamentos, pois já há dados disponíveis em bases públicas e privadas que podem servir como ponto de partida. “Às vezes, o que a cidade já tem em casa é suficiente para uma primeira análise e para iniciar o processo de transformação digital”, disse.
Um exemplo está nos estudos de viabilidade para a construção do Túnel Santos-Guarujá. Uma das questões era a real necessidade da obra em função do volume de tráfego. Através do Claro Geodata, foi possível mapear o fluxo diário de pessoas entre as cidades e comprovar a demanda pelo projeto.
Em outros casos, os dados podem alimentar estratégias baseadas em gêmeos digitais. Essa tecnologia replica regiões reais em ambientes virtuais, onde faz as simulações necessárias para depois aplicá-las verdadeiramente.
Para Del Nero, esses exemplos mostram que a adoção de uma cultura orientada a dados é condição sine qua non para a tomada de decisões tanto em cidades inteligentes quanto em qualquer área moderna de negócios. “Muitos já ouviram falar de empresas que baseiam suas decisões em dados. Mas isso depende de qualidade, coleta sistemática, controle e uso efetivo da informação”, detalhou.
Ele explicou ainda que a cultura data driven deve estar massificada nas companhias, imbuída desde o CEO até o analista júnior. “As pessoas das áreas de negócio precisam ter acesso direto a dados e ferramentas para criar relatórios, dashboards e até desenvolver novas aplicações. Isso amplia a figura do citizen developer”.
Um exemplo citado nesse caso foi o iFood, que já conta com 880 agentes de inteligência artificial criados por funcionários de diferentes áreas. “A meta é chegar a 7 mil agentes ativos até maio de 2026. O diferencial é que esses agentes não estão sendo desenvolvidos por uma área específica de tecnologia, mas pelos próprios colaboradores com ferramentas acessíveis”, disse Del Nero.
Para ele, essa é a nova era da análise de dados: pessoas capacitadas para interagir com sistemas, formular perguntas e obter respostas sem conhecimento avançado de programação. “O valor da inteligência artificial está em empoderar os profissionais da ponta, permitindo que façam análises, testem hipóteses e tomem decisões de forma ágil. Mas, para isso, os dados precisam ter qualidade, tratamento adequado e ser acompanhados de capacitação.”
Em relação à segurança e privacidade dos dados que – junto com a conectividade são a base das cidades inteligentes – Ellen Gonçalves, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP, lembrou que o Brasil já conta com arcabouço legal robusto para isso. “Cidades inteligentes vão lidar com dados em larga escala. A LGPD, o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal já garantem a privacidade. O que precisamos é de governança de dados”, disse.
Nesse aspecto, Maria Teresa Lima, da Claro empresas, conclui que a recomendação é simples: “cumpra-se a lei”.
