A inteligência artificial tem despertado sentimentos contraditórios no mercado de trabalho. De um lado, a expectativa de produtividade, inovação e novas oportunidades; de outro, o temor de substituição e incerteza sobre o papel humano nas organizações. A matéria Otimismo e medo: como os brasileiros veem a IA no trabalho, publicada pelo portal The Shift, revela que 85% dos trabalhadores acreditam que a IA afetará seus empregos nos próximos três anos, mas o país combina o maior entusiasmo da América Latina com uma das taxas mais altas de apreensão.
Segundo o levantamento da ADP Research Institute, citado na reportagem, 26% dos profissionais brasileiros enxergam a IA como uma força positiva em suas tarefas, contra 19% na média regional. Ao mesmo tempo, 10% expressam receio de substituição, e entre esses, quase um terço já busca outro emprego. Esses dados revelam um equilíbrio delicado entre entusiasmo e preocupação, o que exige das empresas uma abordagem estratégica em comunicação, treinamento e requalificação. Outra pesquisa mencionada também mostra que os mais jovens são os mais temerosos, enquanto profissionais experientes tendem a interpretar a IA menos como ameaça e mais como catalisador de mudança.
Dennis Herszkowicz, CEO da TOTVS, observa que, em vez de substituir funcionários, os agentes de IA livram as pessoas de tarefas acessórias, que muitas vezes geram um trabalho oculto e de baixo reconhecimento, permitindo que os profissionais se concentrem em atividades que realmente agregam valor às empresas.
A sobreposição de funções e a sobrecarga de trabalho comuns nas empresas na América Latina criam um cenário paradoxal e explicam porque a região combina medo e entusiasmo em relação à IA. O temor da substituição convive com o alívio diante da possibilidade de automatizar tarefas repetitivas.
O desafio do aprendizado contínuo

No artigo Não é a IA que vai tirar seu emprego, é a falta de qualificação, Marcelo Cosentino, vice-presidente da TOTVS, argumenta que o verdadeiro risco não está na tecnologia, mas na defasagem de competências. Ele alerta que, enquanto cresce o medo de obsolescência, os dados indicam um desafio ainda maior e urgente: a escassez de profissionais qualificados.
Segundo a McKinsey, a demanda global por profissionais com competências em IA generativa deve superar a oferta em até quatro vezes até 2027. A Bain & Company projeta uma lacuna de cerca de 700 mil especialistas apenas nos Estados Unidos. Cosentino defende que o aprendizado contínuo deve ser tratado como uma agenda de negócio, não apenas de recursos humanos.
Essa percepção é reforçada por estudos que apontam a falta de profissionais qualificados como uma das maiores barreiras à adoção da IA. No Brasil, a pesquisa Panorama IA nas empresas brasileiras, da TOTVS, indica que 35% das companhias enfrentam dificuldades para preencher vagas na área por escassez de talentos.
Funções mais impactadas por IA são as que exigem talentos humanos
O relatório 2025 Global AI Jobs Barometer, da PwC, ajuda a entender por que o impacto da IA é menos sobre substituição e mais sobre transformação qualitativa das profissões. A análise elenca funções como executivos, economistas, gestores financeiros, juízes e supervisores, justamente aquelas que envolvem maior capacidade de decisão e análise crítica.
O estudo aponta uma correlação positiva entre exposição à IA e mudança nas habilidades requeridas, o que indica que o avanço tecnológico está redefinindo o modo como o julgamento humano é exercido. Conforme os dados referentes ao Brasil, o número de vagas que exigem competências em IA quadruplicou entre 2021 e 2024, e setores como agricultura, varejo e mineração estão entre os que mais ampliam contratações com tecnologia embarcada.
Esses dados se conectam à pesquisa da Ready.ai, citada pela The Shift, segundo a qual os jovens temem mais a substituição do que os profissionais mais experientes. A diferença parece residir na percepção de controle: os especialistas seniores tendem a compreender a IA como ferramenta de transformação e não como concorrente, enquanto os mais novos ainda veem a tecnologia como uma ameaça direta à empregabilidade.
Substitua-se por IA, recomenda especialista
Sharon Gai, especialista em IA e inovação, com experiência em projetos de destaque no Alibaba, lembra a afirmação de Sam Altman, CEO da OpenAI, de que hoje uma única pessoa pode construir uma corporação inteira com apoio da IA.
Ela apresenta um exemplo concreto dessa transformação: anúncios de vagas para agentes de IA com salários entre US$ 10 mil e US$ 15 mil por ano, enquanto o mesmo cargo, ocupado por humanos, oferece salários de US$ 50 mil a US$ 70 mil. “Agentes de IA já começam a gerar impacto real nas oportunidades de início de carreira”, constata.
Entre os líderes que defendem o uso intensivo da tecnologia, Sharon citou Tobi Lütke, CEO da Shopify, que exige que os colaboradores incorporem a IA às rotinas de trabalho. Segundo ele, novos funcionários só devem ser contratados quando a equipe comprovar que as tarefas não podem ser realizadas por IAs. Micha Kaufman, CEO da plataforma Fiverr, também foi mencionado: em comunicado interno, ele afirmou que a IA terá impacto sobre todas as áreas da empresa, de programadores a advogados, e poderá substituir diversos postos de trabalho.
Sharon destacou ainda a velocidade das melhorias trazidas pela IA generativa. “Na China, transmissões ao vivo de vendas feitas por avatares e agentes de IA no TikTok já representam uma fatia expressiva do comércio”, exemplifica. Relatórios recentes reforçam o alerta. Um estudo da McKinsey projeta que, até 2030, a IA pode automatizar 30% dos postos de trabalho nos Estados Unidos. Já a Goldman Sachs estima que 300 milhões de vagas poderão ser eliminadas no mundo todo.
“Se o seu trabalho é clicar, você pode perdê-lo”, diz Sharon, enfatizando a necessidade urgente de adaptação. “Se você não estiver usando IA em 2025, é como participar de uma corrida de Ferraris dirigindo uma carroça”, compara.
Como estratégia de sobrevivência no mercado, Sharon Gai recomenda que os profissionais busquem, de forma proativa, oportunidades para automatizar suas próprias atividades. “Se você sempre tentar se substituir por IA, estará sempre um passo à frente”, aconselha.
