As mudanças climáticas e, consequentemente, o aumento da ameaça de incêndios florestais tem impulsionado o desenvolvimento de soluções inovadoras. Recentemente, cientistas do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF) desenvolveram um novo modelo tecnológico que promete transformar a previsão de riscos, otimizando a tomada de decisões e minimizando perdas. Este avanço, publicado na revista Nature Communications, integra dados de alta qualidade e aprendizado de máquina (ML) para identificar áreas de maior perigo. A IA começou a ser aplicada para o acompanhamento das mudanças climáticas, inclusive incêndios.
De acordo com o Correio Braziliense, trata-se de um sistema distinto em relação aos tradicionais. Utilizando inteligência artificial (IA) e técnicas avançadas de aprendizado de máquina, ele analisa diversas variáveis, incluindo o tipo e a condição da vegetação, a presença de atividades humanas como estradas e construções, e registros anteriores de queimadas.
Na prática, adota-se um modelo de Probabilidade de Incêndio (PoF) com uma abordagem abrangente. Consequentemente, as equipes de emergência ganham tempo e clareza para definir estratégias, reduzindo o desperdício de recursos e protegendo comunidades e o meio ambiente.
O estudo indica que os modelos convencionais frequentemente falham ao identificar pontos exatos de risco de ignição. Como exemplo, o incêndio que devastou Los Angeles em 2024, onde diversas áreas foram indicadas como inflamáveis sem a precisão necessária. Em contrapartida, o PoF considera uma gama mais ampla de fatores, incluindo a densidade de estradas e a abundância de vegetação seca. Isso resulta em previsões mais localizadas e detalhadas.
Múltiplos parâmetros que aumentam a precisão
Francesca Di Giuseppe, autora principal do estudo, explicou que a incorporação de múltiplos parâmetros, além das condições climáticas, é fundamental para aumentar a acurácia das previsões. “Nosso novo modelo de Probabilidade de Incêndio incorpora diversas fontes de dados, além do clima, para refinar as previsões. Um algoritmo de aprendizado de máquina adota uma abordagem mais holística. Índices tradicionais de perigo de incêndio, baseados no clima, frequentemente falham em identificar áreas em risco de ignição com a especificidade necessária. É aqui que o ML pode ajudar”, revela.
Ao combinar essas informações, o modelo fornece uma visão precisa do risco de incêndio, auxiliando na tomada de decisões e na gestão de recursos durante períodos de alta ameaça. O estudo também ressalta a importância de considerar dados sobre a disponibilidade de combustível, como a umidade da vegetação, que impacta significativamente a propagação do fogo. A capacidade de capturar essas informações melhora em até 30% a precisão das previsões, em comparação com modelos que consideram apenas o clima.
Florence Rabier, diretora-geral do ECMWF, destacou a importância dessa inovação frente aos incêndios recentes em Portugal, Grécia e Canadá. “A nova ferramenta Probability of Fire se beneficiou da experiência do ECMWF em IA e ML para previsões meteorológicas de médio prazo (3 a 15 dias), e os especialistas envolvidos fizeram avanços significativos na previsão de incêndios, utilizando métodos semelhantes baseados em dados”, justificou a executiva.
Embora o processo de ignição dos incêndios permaneça imprevisível, a combinação de dados confiáveis e a aplicação de inteligência artificial tornam as previsões mais eficazes. Essa ação permite que as agências de resposta a emergências se preparem melhor para lidar com esses eventos, protegendo vidas e ecossistemas.
IA acessível no Brasil

Andrea Ramos, meteorologista com doutorado em Física e consultora pelo PNUD da ONU, afirmou que a utilização de inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina na previsibilidade de incêndios pode ser acessível para agências de menor porte no Brasil.
Nesse sentido, ela acredita na combinação entre ferramentas de código aberto, computação em nuvem, parcerias entre instituições e centros de pesquisa, o aproveitamento de dados públicos, e sistemas de análises de dados para aumentar a previsibilidade das incidências climáticas.
Veja abaixo detalhes dessas tecnologias sugeridas pela especialista:
- Ferramentas de código aberto: plataformas como QGIS e GeoPandas, quando integradas, permitem o processamento de dados de satélite e informações geográficas para a previsão de incêndios.
- Serviços de computação em nuvem: provedores como AWS, Google Cloud e Azure oferecem planos de baixo custo ou gratuitos para iniciantes. Isso possibilita que agências menores processem grandes volumes de dados e executem modelos de IA sem a necessidade de investir em infraestrutura de hardware própria.
- Colaboração e parcerias: a formação de consórcios entre agências e a colaboração com universidades e centros de pesquisa diluem os custos de desenvolvimento e implementação de soluções de IA.
- Dados públicos: o aproveitamento de dados sobre focos de calor do INPE, informações meteorológicas do INMET e dados de uso da terra do IBGE são recursos públicos valiosos que reduzem os custos de aquisição de informações.
- A integração do novo sistema de análise de dados aos modelos já existentes no Brasil exige uma abordagem multiescalar, que combina diversas fontes de dados e utiliza metodologias avançadas de análise espacial e modelagem.
A implementação de sistemas de previsão de incêndios baseados em IA no Brasil enfrenta desafios relacionados à disponibilidade, qualidade e processamento de dados. Por isso, é importante padronizar e garantir a interoperabilidade entre as diferentes fontes de informação. Além disso, o processamento de grandes séries temporais de imagens de satélite e a integração com outras bases de dados demandam uma infraestrutura computacional robusta e expertise técnica.
Outro ponto a ser considerado é a complexidade das interações entre variáveis ambientais, humanas e agrícolas. Essas interações são dinâmicas, variando entre regiões e ao longo do tempo.
Para lidar com essa complexidade e integrar as diversas camadas de informação, o uso de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) mostra-se fundamental. Esses sistemas permitem uma análise e visualização espacial dos dados, facilitando a identificação de padrões e áreas de risco.
O que é o “Chicote Hidroclimático” e por que ele é considerado um fator crítico?
O estudo do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo também aborda o fenômeno do “chicote hidroclimático”, que, na prática, refere-se a um período de umidade excessiva seguido por uma estação seca, criando condições ideais para incêndios, como os que ocorreram em Los Angeles, nos Estados Unidos, no início deste ano.
A combinação de dados e informações sobre o comportamento da vegetação permite que os modelos de aprendizado de máquina (ML) detectem mudanças dinâmicas nas condições de risco, como o efeito do “whiplash”, no qual padrões climáticos abruptos alteram rapidamente as condições de inflamabilidade.
Joe McNorton, especialista da ECMWF, enfatizou que a compreensão detalhada desses padrões é essencial para prever incêndios com precisão. “A capacidade de capturar e integrar essas informações usando ML é um passo crucial para melhorar a preparação para desastres e mitigar os impactos de incêndios devastadores”, disse. A utilização de dados de alta qualidade e técnicas de aprendizado de máquina, via IA, completou ele, aprimora as previsões de incêndios florestais e contribui para uma resposta mais rápida na tentativa de proteger populações vulneráveis e ecossistemas em risco.