A combinação entre regulação aberta, infraestrutura tecnológica e integração entre setores fez do Brasil um laboratório vivo de soluções digitais que hoje servem de referência mundial. Essa convergência, segundo os participantes do MobiMeeting Finance + ID 2025, explica por que bancos, fintechs, operadoras e big techs brasileiros lideram iniciativas que redefinem pagamentos, identidade digital e autenticação em escala.
O evento, realizado nesta semana em São Paulo, reuniu protagonistas de inovações pioneiras no mercado global. A tônica dos debates foi a maturidade do ecossistema, resultado de um ciclo que une regulação, competição e cooperação. Representantes do Banco do Brasil, Cielo, PicPay, Matera, Google e Claro empresas explicaram como a transformação digital no país é fruto dessa capacidade de articulação entre o regulador, as instituições financeiras e o setor tecnológico.
Pioneirismo renovado com o PIX

Apesar da longa história de pioneirismo em meios de pagamento no Brasil, o PIX, evidentemente, é a referência mais marcante e valorizada por empresas e usuários.
A executiva de meios de pagamento do Banco do Brasil, Dione Cordioli, destacou que o sistema representa um dos maiores projetos de inclusão financeira do mundo. “O PIX levou a bancarização para milhões de brasileiros e tornou possível que negócios de qualquer porte operem com a mesma infraestrutura de pagamentos”, afirmou.
Segundo a executiva, o modelo criado pelo Banco Central foi capaz de equilibrar competição e interoperabilidade, permitindo que instituições financeiras e fintechs desenvolvam negócios sob regras padronizadas. “A governança do sistema é o que garante sua evolução contínua. A colaboração entre regulador, bancos e provedores de tecnologia é o verdadeiro motor da inovação”, disse Dione.
O vice-presidente executivo de tecnologia e negócios da Cielo, Carlos Alves, lembrou a primeira conversa sobre o projeto de PIX por aproximação. “Eu estava no aeroporto de Brasília quando a Dione ligou perguntando se poderíamos fazer isso juntos. Sabia que teríamos essa capacidade técnica. Foi então que ela disse que a execução seria em dois meses”, contou. “Foi um daqueles momentos em que você entende o que é colaboração de verdade. Esse prazo é quase inacreditável para uma implementação em escala nacional. Mostra o quanto o ambiente brasileiro é capaz de reagir rápido quando há confiança entre as partes”, disse Alves.

O executivo destacou que o pagamento instantâneo por NFC (Near Field Communication) ampliou a conveniência para o consumidor e fortaleceu o ecossistema. “O próximo passo é combinar segurança e velocidade com crédito instantâneo e parcelamento no próprio PIX”, adiantou.
Segundo Pedro Romero, diretor-executivo de wallet e banking do PicPay, o sistema tornou-se um divisor de águas. “Mais de 175 milhões de brasileiros já realizaram ao menos uma transação via PIX. Esse é o maior experimento de interoperabilidade financeira do planeta”, afirmou.
Para Ricardo Chisman, presidente da Matera, o diferencial brasileiro está na regulação que estimula a competição sem fragmentar o mercado. “A interoperabilidade é o DNA do sistema. É isso que garante que cada instituição possa inovar e, ao mesmo tempo, operar dentro de um padrão comum”, disse.
Chisman destacou que a evolução do PIX também acelera o desenvolvimento do Open Finance, cujo princípio é o compartilhamento seguro de dados sob consentimento do usuário. “O Brasil conseguiu algo raro: criar infraestrutura digital de interesse público, com governança técnica e confiável. Isso inspira outros mercados a seguir pelo mesmo caminho”, avaliou.
Experiências integradas

Para Natacha Litvinov, head de parcerias de pagamentos e shopping do Google para a América Latina, o PIX dentro do Google Wallet representa uma mudança de paradigma na forma como as big techs se relacionam com os meios de pagamento. “O nosso racional é conveniência, simplicidade e segurança. Queremos que quem usa Android ou Chrome tenha uma experiência fluida e confiável em qualquer superfície”, afirmou Natacha.
Ela explicou que o avanço foi possível graças à infraestrutura do Open Finance, que permitiu integrar as carteiras digitais sem que o Google precise armazenar saldo ou intermediar transações. “Não queremos ter contas. O Open Finance foi essencial para viabilizar uma arquitetura que respeita a privacidade e permite ao usuário pagar de forma direta, sem redirecionamentos desnecessários ou fricção na jornada”, descreveu.
Segundo Natacha, a integração do PIX à Google Wallet foi o resultado natural de um mercado maduro e interoperável. “O Brasil tem uma combinação muito rara: regulação moderna, bancos inovadores e um público digitalmente engajado. É o ambiente perfeito para testar e escalar novas experiências”, disse.
Essa sinergia entre bancos, fintechs e big techs cria uma base sólida para a expansão do Open Finance e de modelos de negócios baseados em dados consentidos. “A padronização e a confiança no sistema são o que garantem o avanço sustentável da inovação”, completou Natacha.
Infraestrutura da inovação

A evolução do ecossistema brasileiro ganhou nova dimensão com o Open Gateway, iniciativa global da GSMA que padroniza APIs para integração entre redes móveis e serviços digitais. No Brasil, esse movimento se combina de forma natural com o Open Finance, criando uma camada unificada de inovação que conecta telecomunicações e finanças.
A convergência desses dois modelos — um regulado pelo Banco Central, outro pela GSMA — habilita a criação de facilidades para consumidores e negócios, com abordagens de segurança e governança de dados que aumentam a confiança de todos os participantes. Pagamentos, autenticações e validações cadastrais passam a ocorrer de forma transparente e instantânea, com o mesmo nível de proteção e rastreabilidade que caracteriza o PIX.
De acordo com Ageu Dantas, head de data analytics e mensageria da Claro empresas, 79% das conexões móveis do mundo já estão integradas, em algum nível, ao Open Gateway. “O Brasil foi o segundo país do mundo a lançar o programa de forma simultânea entre as principais operadoras. Essa coordenação reflete um ambiente que confia na cooperação e na padronização técnica”, disse.
Entre as APIs em operação estão o SimSwap, que detecta trocas de chip e previne fraudes; o Number Verification, que faz autenticação automática sem interação do usuário; e o KYC (know your customer), voltado à validação de identidade em tempo real. No Brasil, plataformas como o TikTok e o Itaú já utilizam essas soluções, o primeiro para autenticação silenciosa de contas, com mais de 3 milhões de chamadas mensais, e o segundo para reforçar a segurança de acesso.
Novas APIs para segurança e ganhos ao negócio

O especialista da Claro empresas também informou sobre dois novos serviços, nos quais a companhia é pioneira no Brasil. A geofencing (cerca geográfica) é uma ferramenta que permite a localização precisa de dispositivos, baseada na triangulação das antenas. A técnica é resistente a falhas ou emulações fraudulentas do sinal de GPS. Com isso, se pode restringir o uso de determinadas aplicações a áreas previamente estabelecidas. A ativação da API, evidentemente, depende da permissão do usuário.
A vinculação de permissões à localização dos dispositivos é particularmente interessante em implementações de IoT. A capacidade de contextualização e restrição de acesso evita fraudes por meio de conexões de câmeras, catracas e outros tipos de hardware com funcionalidades limitadas de segurança.
Outra novidade é a Quality on Demand (QoD), que permite a segregação de canais para determinadas aplicações. “Em um evento, pode-se garantir que um terminal de pagamento não tenha que disputar a rede em meio a altos volumes de acesso. Assim, não se corre o risco de lentidão em uma transação porque outras pessoas estão subindo vídeos”, exemplificou.
Para Dantas, o mais importante é o princípio que orienta o projeto. “Estamos transformando as redes de telecomunicações em plataformas digitais seguras, interoperáveis e padronizadas. Isso abre uma nova fronteira para serviços baseados em confiança e dados verificáveis”, explicou.
O avanço do Open Gateway reflete a mesma lógica que tornou o Open Finance um sucesso: padronização técnica, governança compartilhada e inovação orientada por confiança. Essa combinação faz do Brasil um terreno fértil para o desenvolvimento de soluções digitais que cruzam fronteiras setoriais e elevam o patamar global da experiência do usuário.
Chisman, da Matera, concluiu que o modelo de desenvolvimento colaborativo é o que sustenta o avanço contínuo das soluções. “O Brasil criou uma cultura de inovação em rede. Cada nova funcionalidade nasce de um diálogo entre bancos, reguladores, fintechs e empresas de tecnologia”, disse.
Para Dione, o país atravessa um momento em que a maturidade tecnológica coincide com a maturidade institucional, pois temos um regulador que estimula a competição e empresas que aprenderam a cooperar. “Essa combinação é o que faz o sistema evoluir de forma segura”, pontuou.
Raciocínios semelhantes sobre colaboração foram feitos pelos demais participantes do MobiMeeting Finance + ID 2025, como o Romero, do PicPay, que acredita que o impacto da inovação se mede pelo que ela entrega ao cidadão. “O PIX e o Open Finance democratizaram o acesso ao sistema financeiro e criaram as bases para uma economia digital de verdade. Isso muda a vida das pessoas”, concluiu.
