O ciclo de lançamentos e atualizações de produtos em empresas genuinamente digitais, como fintechs ou provedores de streaming, seria praticamente inviável com as abordagens tradicionais de infraestrutura. Em vez de instalar servidores, armazenamento e conexões, com as opções de SDDC (datacenter definido por software) ou SDN (rede definida por software), os recursos são acionados em uma camada de virtualização e automação, criando uma infraestrutura que provê todas as funcionalidades, configuradas em uma só tela. No entanto, estender esses conceitos à estrutura de uma operação de broadcast coloca uma série de desafios.

“No mundo ideal, pensamos em ter todos os recursos contratados como PaaS ou SaaS (plataforma ou software como serviço), e na medida certa para cada projeto (rightsizing). Mas estamos no meio dessa jornada. Ainda precisamos de plataformas com mais funcionalidades e atributos”, disse Mauricio Felix, diretor executivo de tecnologia na Globo, no painel sobre Software Defined Broadcast, na SET Expo 2025. “O pessoal de TI já começou esse movimento há anos e até hoje os CIOs e fornecedores trabalham para evoluir a um modelo de Opex com serviços nativos em nuvem, em que a comparação com o modelo tradicional seja efetivamente vantajosa em custos”, lembrou.
“A infraestrutura tradicional, com equipamentos dedicados, limita a flexibilidade”, disse Felix. Ele avalia que o ciclo de entrega, em que se leva meses para implementação de servidores e de toda infraestrutura, é incompatível com alguns dos novos produtos e linhas de negócio.
“A virtualização é um imperativo financeiro”, enfatizou Tim Banks, CRO (chief revenue officer) da Grass Valley, que também compôs o painel. “A capacidade de aproveitar as melhores soluções de vários fabricantes e provedores maximiza as oportunidades de monetização em diferentes plataformas, canais e dispositivos. O broadcast definido por software traz flexibilidade, agilidade, time to market e aumenta margens”, enumerou.

Evidentemente, sob a camada de virtualização, os elementos de hardware e software continuam a existir, seja on premise ou em nuvem. A diferença é que, em vez de se configurar um a um, as funcionalidades são apresentadas como serviços em uma plataforma definida por software. Portanto, ao mesmo tempo em que se podem consumir serviços de terceiros, essa arquitetura maximiza inclusive o aproveitamento do legado. Em uma implementação da Claro empresas, por exemplo, uma emissora conseguiu rentabilizar a capacidade ociosa de sua CDN (rede de distribuição de conteúdo), com uma oferta as a Service a outras emissoras.
Padronização e novas premissas
Enquanto já existem interfaces e ferramentas para consolidar toda a gestão de processamento, armazenamento e outros recursos de TI, os próprios fornecedores reconhecem a necessidade de padrões para as funcionalidades específicas de uma operação de broadcast. “Em um mundo baseado em componentes de software, é fundamental haver padrões para que as soluções entreguem a flexibilidade e a agilidade esperadas”, disse Steve Reynolds, CEO da Imagine Communications, que também participou do painel. “A falta de um framework que permita a interoperabilidade em todo o ambiente cria custos”, complementou Banks, da Grass Valley.

Entre os protocolos já consagrados na área de SD-broadcast, Reynolds menciona o MXL (media exchange layer), uma camada de software projetada para padronizar e simplificar a troca de conteúdos de mídia em ambientes de produção. O MXL funciona como um middleware que integra diferentes sistemas de áudio, vídeo e dados em tempo real, permitindo que equipamentos e aplicações de fornecedores distintos conversem entre si.
Reynolds também recomendou especial atenção a um inventário preciso de recursos instalados ou contratados. Ele destacou ainda a necessidade de uma revisão dos workflows, para que as facilidades técnicas de integração sejam efetivamente aproveitadas. “É preciso conferir se o design dos processos permite unificar as operações”, disse o executivo da Imagine. “A fase de levantamento da estrutura operacional e dos objetivos de negócio é crítica”, acrescentou Banks.
Felix elencou algumas das principais expectativas de transformação da operação e do negócio com a virtualização da infraestrutura.
Do ponto de vista da entrega de conteúdo, as plataformas têm que prover a melhor qualidade se adaptando a várias condições de enlace e tipos de dispositivo.
Assim como ocorre com as soluções em nuvem, há também a premissa de usar só recursos onde estiverem e pagar pelas funcionalidades efetivamente necessárias.
Além de otimizar os atuais modelos de operação, Felix vislumbra que o aprofundamento das facilidades de automação deve não apenas otimizar a infraestrutura, mas também pode simplificar a atividade-fim. “Para o Jornal Nacional, vamos sempre ter uma equipe no suporte. Em outras transmissões, podemos ter apenas uma pessoa”, exemplifica.
Custos escalonados e retorno de investimento
O diretor de tecnologia da Globo reconheceu que a adoção de um modelo de provisionamento totalmente sob demanda, e com custos variáveis, não é uma transição simples. “A comparação de custo total e ROI (retorno de investimento) não se restringe a confrontar o preço das soluções próprias ou as a Service. O ganho de agilidade para atender às áreas de negócios e às oportunidades de mercado também entram na conta”, observou Felix.
A adoção de recursos virtualizados e contratados as a Service começou na emissora para atender à demanda excedente de processamento com o Big Brother Brasil, um produto fortemente dependente de sistemas de TI.
A maioria dos cases internacionais, de SD-broadcast, mencionados pelos fornecedores envolvem projetos relacionados a transmissões esportivas, eventos e outras grandes demandas sazonais, cujo atendimento levaria a um superdimensionamento da estrutura permanente. “O broadcast definido por software permite ajustar os custos a cada caso de negócio. Uma situação em que se tem 10 produções em um final de semana ocorre uma vez por ano”, exemplificou Reynolds.
Embora a maioria das iniciativas comecem por linhas de negócio específicas, o executivo da Imagine contou que já há casos de transformação de toda arquitetura. “Uma emissora canadense colocou toda a estrutura on premise e os serviços em nuvem sob uma camada de virtualização. Agora aproveitam mais os recursos que já possuem”, mencionou.