Em um movimento que pode redefinir o cenário da tecnologia financeira e os direitos do consumidor nos Estados Unidos, o Escritório de Proteção Financeira do Consumidor (CFPB) está prestes a revogar uma recém-criada regra de open banking. A decisão, que surge após 14 anos de intensos debates e lobby pesado, representa uma vitória significativa para os grandes bancos (incluindo o J.P. Morgan Chase) que se opuseram veementemente à regra.
Segundo noticiado pelo Valor, a norma, finalizada em 2024 em um documento de quase 600 páginas, exigia que os bancos compartilhassem gratuitamente informações de contas de depósito e cartões de crédito de seus clientes com fintechs, mediante solicitação. O objetivo era impulsionar a concorrência e a inovação no setor financeiro, capacitando os consumidores a gerenciarem seus dados e acessarem uma gama mais ampla de serviços.
A potencial revogação da regra levanta questionamentos sobre o futuro da concorrência e a segurança de dados no mercado financeiro americano. Dan Murphy, ex-gerente do programa de open banking no governo Biden, expressou sua preocupação: “o open banking coloca os dois lados da indústria um contra o outro, com os consumidores em algum lugar no meio”. Apesar da dúvida, o mercado já demonstrava uma adoção crescente.
O Financial Data Exchange revelou, em abril deste ano, que 114 milhões de adesões de clientes já haviam sido estabelecidas entre fintechs e bancos, um salto considerável em relação aos 76 milhões do ano anterior. Isso mostra que a demanda por maior interoperabilidade e controle de dados por parte dos consumidores e empresas já é uma realidade.
O que esperar da “nova” regra?
Segundo informações da Bloomberg Law, o CFPB estaria inclinado a revogar a norma completamente e reeditá-la. Essa reformulação pode trazer benefícios para os grandes bancos, como a permissão para cobrar taxas pelo compartilhamento de dados e a limitação de sua responsabilidade por eventuais falhas. No entanto, o órgão regulador também poderia expandir o escopo, exigindo que os bancos compartilhem dados sobre outros produtos financeiros, uma demanda antiga das fintechs que buscam incluir informações sobre financiamentos de veículos e hipotecas.
Alguns gigantes do setor bancário, como Jamie Dimon, CEO do J.P. Morgan, e Bill Demchak, CEO do PNC Financial Services Group, têm manifestado preocupações com os riscos que o open banking, em sua forma original, poderia trazer. Para eles, a proteção dos dados é primordial. A incerteza sobre a norma também afeta bancos menores, atualmente isentos da obrigação de cumpri-la caso tenham menos de US$ 850 milhões em ativos. A reformulação da norma poderia rever esse limite, adicionando um desafio a mais para essas instituições.
O momento da potencial revogação coincide com um período de enfraquecimento do CFPB. Sob a gestão do presidente Donald Trump, a agência tem enfrentado cortes orçamentários e de pessoal, o que tem gerado indefinição e a saída de funcionários seniores. A complexidade de reescrever uma norma que levou anos para ser finalizada, com uma equipe reduzida e orçamento apertado é, nas palavras de Dan Quan, ex-consultor sênior do CFPB para questões tecnológicas, “simplesmente impossível”.
O futuro do Open Banking americano

O cenário jurídico é igualmente nebuloso. Grupos de lobby bancário, como o Bank Policy Institute (BPI), já entraram com ações para bloquear a regra, argumentando que a medida impõe “riscos inaceitáveis aos dados pessoais mais sensíveis da maioria dos americanos”. Por outro lado, a Associação de Tecnologia Financeira (FTA), que representa as fintechs, moveu uma ação para intervir no processo, defendendo a regra e alertando que seu bloqueio limitaria a concorrência e a liberdade do consumidor.
“Proteger os consumidores não é negociável. A regra atual impõe riscos inaceitáveis aos dados pessoais mais sensíveis da maioria dos americanos”, declarou Paige Pidano Paridon, vice-presidente do BPI. Segundo ele, não se trata de um setor vencer o outro: “trata-se de garantir que os consumidores americanos e seus dados sejam protegidos”, ressaltou.
A reviravolta no Open Banking dos EUA não é apenas uma questão de regulamentação financeira, mas também um conflito crucial entre o poder dos grandes bancos e o potencial de inovação e capacitação do consumidor, que as fintechs e o Open Banking prometem. O desfecho dessa disputa poderá moldar o futuro do cenário financeiro digital americano.