A utilização de cada fração da capacidade disponível nos cabos e nas frequências
portadoras muda os paradigmas de infraestrutura e de oportunidades de negócios para
emissoras, operadoras e provedores de diversos serviços. Assistir TV aberta pela Internet ou usar parte dos canais licenciados para broadcast na comunicação de dados já evidenciam que a amarração entre meio e serviço (por exemplo, o par metálico exclusivamente para telefonia ou a antena de TV analógica) é coisa do passado. Enquanto a convergência e novos padrões tecnológicos permitem que os serviços alternem entre diferentes tipos de conexão, o advento da IA viabiliza o gerenciamento em tempo real, com o deslocamento das cargas entre redes com diversas tecnologias.
Em duas sessões no primeiro dia da SET Expo 2025, especialistas trouxeram um panorama e aprofundaram a discussão de tendências como o aproveitamento dos TVWS (TV White Spaces) para novos serviços, o uso de dispositivos capazes de alternar entre redes terrestres e satélite, as possibilidades abertas pelo Wi-Fi 7 e pelo futuro 6G, além das experiências práticas de 5G aplicadas à produção de conteúdo em broadcast.

Francisco Portelinhas, gerente de P&D no Inatel, caracterizou o atual cenário por três fatores: generalização do acesso à Internet; fusão de mídias; e personalização da demanda. “O broadcast sob demanda é uma evolução cultural”, observou. Mesmo nos casos de uso mais básicos de digitalização, a simples possibilidade de pausar ou retroceder uma transmissão já transforma o hábito de consumo.
O professor lembrou que o benefício mais imediato da convergência de broadcast e redes digitais é agregar alcance. Ou seja, o consumidor ganha alternativas de acesso à Internet onde houver cobertura de TV, assim como ninguém perde a novela se tiver uma conexão 4G.

Henrique Rodrigues, líder global de inteligência de mercado da Fabric, informou que o consumo de streaming do brasileiro registra uma média de 6 horas diárias, contra 4,34 h diante da TV aberta. Segundo o pesquisador, a smart TV é o principal dispositivo de consumo de vídeo sob demanda.
Mais histórias para o espectador com 5G na produção
Com base em casos de várias emissoras, Guilherme Saraiva, diretor comercial da Claro empresas, descreveu os desdobramentos em termos de enriquecimento tanto do conteúdo quanto da experiência do espectador, com o uso de tecnologia 5G na produção de TV. “Os repórteres, apresentadores e editores passam a ter muito mais histórias para entregar ao público”, constatou.

Além da facilidade de conexão de mais elementos à rede, a inclusão de dispositivos mais leves e compactos (inclusive smartphones avançados) aumenta as possibilidades de captação de imagens, em pontos antes mais dificilmente acessíveis. No painel da SET Expo, Saraiva mostrou novos modelos de dispositivos, que embutem câmera e conectividade a 3,5 GHz ou 26 GHz.
Nos casos de uso de 5G, o conteúdo alcança novos espaços e também se estende no tempo. “Os eventos hoje começam antes e terminam depois”, resumiu Saraiva. Ele mencionou coberturas, como as do festival Lolapalooza e da Fórmula 1, que geraram conteúdos adicionais à transmissão linear. “A emissora continua monetizando”, notou Saraiva.
O executivo também mencionou a experiência em redes privadas 5G com ondas milimétricas, a 26 MHz. A frequência permite conexões de até 4 Gbps, ideais para vídeo 4K/8K; realidade virtual e aumentada e outras aplicações com alto volume de dados e sensíveis a latência. A contrapartida é o baixo alcance, o que não é problema nos casos de grandes quantidades de acessos em espaços restritos, como o campus de uma indústria ou arenas de eventos. O alcance restrito acaba se tornando uma vantagem, por facilitar o reúso do espectro: à medida que o sinal não chega a distâncias mais longas, as eventuais interferências causam menos problemas nas células próximas, o que permite o uso da mesma frequência em vários lotes da área sob cobertura.

Carlos Cunha, diretor de desenvolvimento de negócios da WNC, observou que a visibilidade e o gerenciamento automatizado da segmentação de rede (network slicing) permitem que os provedores ajustem a “qualidade de experiência” para os múltiplos serviços.
IA na orquestração das redes
Márcio Piloto, gerente de negócios da Juniper Network, enfatizou o papel das ferramentas de AIOps (operações gerenciadas por inteligência artificial) para maximizar o aproveitamento de todas as conexões disponíveis e otimizar a rede em tempo real.

Entre as novas funcionalidades dos protocolos de conexão, Piloto descreveu técnicas do Wi-fi 7, como chaveamento automático (link steering), compartilhamento de canal (data aggregation) ou redundância (uso simultâneo de mais de um canal, para evitar a necessidade de retransmissão em caso de falhas). “A flexibilidade que se pode obter da rede é ótima, mas sem IA é difícil a gestão fim a fim”, afirmou.
Piloto tomou como referência as ferramentas da própria empresa, que incluem a plataforma de gerenciamento e operações, com interações por meio de uma interface conversacional baseada em IA. “Em cada sessão, são monitorados cerca de 150 parâmetros. O comportamento da rede ganha previsibilidade e a gestão se torna ágil e proativa”, argumentou.
Escoamento por vias urbanas ou pelo espaço
Luciano Mendes, professor do Inatel e líder de pesquisas de 5G e 6G, observou que enquanto as gerações ímpares (3G e 5G) inauguram as funcionalidades, as pares (4G e 6G) consolidam os casos de uso de sucesso com as tecnologias anteriores. “O 6G não é só conectividade. É uma rede com sensoriamento integrado, serviços e soluções, com IA como meio de controle”, definiu.

Entre os projetos do Inatel, o professor mencionou um piloto de TVWS, em que se utilizam faixas ociosas de transmissão em UHF para conexões 6G em frequências não licenciadas para comunicação móvel.
Alberto Boaventura, consultor de infraestrutura e tecnologias estratégicas, lembrou que o 3GPP (o órgão de normatização de redes móveis) busca padronizar tecnologias para usar as conexões por satélite de forma complementar à rede terrestre. A contrapartida às vantagens da cobertura é o natural retardo (pois a distância já torna a velocidade da luz perceptível), que comprometeria as aplicações mais sensíveis a QoS (qualidade de
serviço).