O Brasil é o terceiro maior mercado de banda larga fixa de fibra óptica do mundo, atrás somente da China e dos Estados Unidos. A penetração alcança 88,9% do país, sendo a fibra responsável por 78% dos acessos. O restante das conexões acontece por meio de outros meios físicos. E mais: os provedores de serviço de internet, conhecidos pela sigla ISP, operam com 90% de seus acessos em fibra.
O quadro acima foi detalhado por José Felipe Ruppenthal, CEO da Telco Advisors, que trouxe outras informações importantes, como a presença de 23 mil ISPs no país, o que torna o mercado brasileiro bastante competitivo e pulverizado. Em 45,6% das cidades, por exemplo, há de 11 a 20 concorrentes com clientes ativos de banda fixa. O consultor destacou ainda que o Brasil possui um dos acessos mais baratos em dólar no mundo.
Em 2024, cerca de 3,5 milhões de novos acessos foram adicionados, o que é um crescimento maior do que a soma de muitos países europeus. O desafio agora é saber se essa rede continua se expandindo e se haverá mais consolidação de players.
Ruppenthal ressaltou que mais de 300 fusões de empresas do setor ocorreram em 2024, movimento que deve cair pela metade em 2025. As oito maiores ISPs, por sua vez, têm uma dívida líquida de R$ 15 bilhões, levantando a questão de como manter o fôlego daqui para a frente. O endividamento, segundo o consultor, não é um problema em si quando existe sustentabilidade do mercado.
Ele também questionou qual pode ser o papel da inovação como estratégia para sobreviver em um ambiente tão competitivo, provocação respondida por outros especialistas que participaram do debate sobre o tema durante a Futurecom 2025.
Crescimento orgânico no acesso
Bruno Resende, executivo da área de engenharia e infraestrutura da Algar, lembrou que a fibra óptica tem relevância porque é o melhor meio físico de transmissão de dados, mas que a conectividade em si pode ser uma commodity. O desafio agora seria ampliar a oferta de serviços dentro da casa dos assinantes.
Para ele, é preciso inovar porque existe muita receita possível nos clientes de banda larga fixa que pode ser capitalizada pelas operadoras de telecomunicações. O objetivo é sair da atuação restrita a telecomunicações e se tornar um hub de soluções que façam sentido para quem precisa deles.
Se as redes de acesso estão tomadas fisicamente, Resende vê espaço para as infraestruturas de maior distância e o aquecimento dos data centers – para atender a demanda de IA – deve ser um dos vetores de crescimento nessa área.
José Carlos Rocha, diretor executivo de Marketing e Vendas da Vero, avalia que a consolidação das redes de fibra óptica é um fato, mas ele vê crescimento orgânico nas operadoras. Explicando: muitas têm uma infraestrutura que cobre vários potenciais clientes, mas não necessariamente os atendem. No caso da Vero, esse crescimento dentro da própria rede oscila entre 6% e 8% ao ano.
Sobre inovação, Rocha acredita que ela é o motor para diferenciar-se num mercado onde a concorrência pode envolver dezenas de provedores numa única cidade. Um exemplo de novidade é o streaming, que historicamente não estava nas mãos das operadoras. A regra é clara: se o cliente consome fibra, deve consumir também o serviço de transmissão de conteúdo contínuo.
O especialista destaca ainda que o cliente das operadoras é carente de serviços digitais. Elas devem ser, nesse contexto, um hub digital, oferecendo serviços como seguro e programas de telemedicina. Para isso, a hiperpersonalização é crucial, pois o cliente deseja ser enxergado de forma diferente. “É necessário segmentar por cidade e entregar produtos diferenciados. A inovação é fundamental para rentabilizar a operação. A cultura de transformação deve permear toda a empresa”, completa.
Ruppenthal complementou o ponto de vista do executivo da Vero, ao lembrar que a complexidade para inovar no mercado não é a tecnologia, mas a mudança cultural. “Deve ser uma transição mais ampla, que não se restringe à engenharia e à TI”, resumiu.
5G depende de fibra
Apesar da colocação acima, ainda há margem para inovação na própria rede, como destacou Daniel Santos, gerente de Novos Negócios da Telefônica. Ele citou o caso do uso de fibras ópticas para cabos submarinos em redes terrestres, com as devidas modificações. Além de capacidade, a inovação amplia a resiliência da infraestrutura.
O avanço do 5G também depende de fibra óptica, inclusive para interligação das chamadas small cells, pequenas estações radiobase que dão a cobertura precisa que a quinta geração demanda.
Especialista no tema, Fernando Capella, diretor regional da Ciena para América Latina e Caribe, trouxe mais números que explicam o desafio das operadoras. Um deles é de investimento, considerando que a demanda por tráfego tem aumentado a uma média de 25% ao ano. Para ele, a receita não acompanha esse movimento.
O custo do serviço de banda larga se manteve quase nos mesmos valores, mas a banda média cresceu 40 vezes nos últimos anos. E lembrando que o Brasil tem o fator adicional da competição, com mais de 23 mil ISPs.
Além de inovar em serviços para aumentar a receita média por assinante (Arpu), Capella vê a tecnologia como aliada das empresas do setor. Mas é uma tecnologia com propósito, acomodando mais capacidade por canal no meio físico, com menos consumo de energia e a um custo menor por bit. Na longa distância, a mudança de arquitetura, com redes mais enxutas, também faz a diferença em redução de custo operacional e de consumo energético.
“É preciso repensar a forma como as redes são construídas. Não se sabe exatamente o que trará consumo de banda e novas oportunidades para elevar a escala de valores”, argumentou. “Há crescimento da receita em serviços B2B, que requerem outro tipo de necessidade. O 5G exige sincronismo”, completou.
Outro ponto importante é o papel da automação, impulsionada por serviços de IA, o que exigirá forte flexibilidade e elasticidade. A rede, na avaliação de Capella, precisa ter a “programabilidade” necessária para funcionar sem intervenção manual.
Regulação e futuro
Nilo Pasqualli, superintendente de Planejamento e Regulação da Anatel, agregou a regulamentação ao debate, mas antes reforçou o papel da tecnologia. Apesar de o Brasil ter um grande parque de fibra óptica, ele confirma as oportunidades de expansão das redes de transporte maiores.
“Sem isso, não haverá 5G. Uma grande preocupação é que há centenas de cidades nessa situação. Existem áreas complexas onde não existe previsão, e é preciso um pontapé do poder público. O cenário brasileiro é único no mundo. Há muitos agentes, mas as barreiras regulatórias limitam o estímulo, mesmo com a queda no preço da fibra”, disse.
Pasqualli acredita ainda que o momento atual é de “freio de arrumação”. Do lado da agência reguladora, ele adiantou que existe um plano de ação para eliminar a concorrência desleal, garantindo que a concorrência ocorra dentro das regras. “A expansão crescente desse tipo de operação ilegal também afeta as pequenas operadoras que trabalham dentro das regras do jogo”, completou.
Em termos práticos, a Anatel tem feito o cadastramento de quem presta serviços de banda larga, mas não está regularizado. Muitas empresas estão pedindo outorga e tentando se regularizar, segundo Pasqualli, mas terminado o prazo, o passo seguinte da agência será o processo de fiscalização e avaliação mais sistemática.
Reinaldo Jeronymo, gerente geral da fabricante de fibra óptica YOFC, concorda com o representante da Anatel na necessidade de conter a concorrência desleal. Ele acrescenta o vandalismo como outro problema geral do setor. “O regulador deve agir para acabar com o vandalismo, que agora inclui roubo de fibra e de dispositivos ópticos”, completou.
Em termos de mercado, Jeronynmo prevê mais densificação da rede do que expansão e confirma que o preço da fibra deve continuar a cair, em função de fatos como a maior escala de produção e inovações no processo, incluindo a fibra oca, além da verticalização da matéria-prima.
“As inovações devem gerar benefícios de custo ou serviço adicional, otimizando o produto. O novo programa de data centers, proposto pelo governo federal, deve gerar demanda por fibra e banda”, finaliza.