O setor de tecnologia no Brasil está passando por uma transformação. Embora o déficit de profissionais qualificados tenha diminuído, o mercado enfrenta desafios crescentes, como a “pejotização” e a alta evasão nas universidades. Isso foi revelado por um relatório recente da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), que mostra um cenário em que a informalidade avança, enquanto as vagas formais que exigem diploma superior permanecem abertas.
De acordo com o estudo, apesar de o salário médio dos profissionais de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) ter crescido 15% entre 2023 e 2025 – acima da média nacional de 12% – o aumento de contratos informais supera em muito o de empregos formais. Entre 2022 e 2024, o número de profissionais sem carteira assinada subiu 13%, quase o triplo dos 4,5% de empregos formais. Os Microempreendedores Individuais (MEIs) no setor tiveram um crescimento ainda maior, de 18,2% no mesmo período.
Para Affonso Nina, presidente da Brasscom, essa mudança reflete tanto a busca por flexibilidade por parte da nova geração de trabalhadores quanto os altos custos de contratação formal para as empresas. “As empresas que contratam formalmente acabam perdendo competitividade em relação àquelas que não contratam com carteira assinada”, avalia o executivo, destacando a pressão por modelos de contratação mais flexíveis.
Oferta versus demanda para os profissionais de tecnologia
Nos últimos cinco anos, o mercado de tecnologia demandou 665 mil profissionais com carteira assinada, mas apenas 465 mil foram formados por instituições de ensino superior e técnico, resultando em uma lacuna de 30,2%. Embora essa diferença persista, o cenário já foi mais crítico: em 2021, o “descompasso” entre oferta e demanda era de 66,7%. A redução do déficit é atribuída, em parte, ao avanço da formação técnica e de cursos de curta duração. “Existe uma lacuna na preparação de pessoas para serem efetivamente contratadas, que tem sido suprida por cursos de menor carga horária do que os cursos superiores”, explica Nina. Ele ressalta que, embora esses cursos ofereçam um treinamento básico que atende parte da demanda, eles estão “longe de ser o ideal”.
O estudo aponta que, entre 2019 e 2023, o total de formados em cursos técnicos de TIC cresceu 21,5%, enquanto o número de certificados em cursos de curta duração (FICs) disparou 587,1% em instituições federais. Apesar do aumento de 70,4% nas matrículas em graduações de TIC entre 2019 e 2023, o ensino superior tradicional enfrenta o problema de evasão. Em 2023, das 1,8 milhão de vagas disponíveis em cursos superiores de tecnologia, apenas 89.696 estudantes concluíram a formação, o que representa menos de 5% do total ofertado.
Affonso Nina aponta duas razões principais para a alta evasão: “muitos abandonam a graduação porque conseguem empregos com habilidades básicas, mas depois enfrentam barreiras devido à falta de qualificação aprofundada”. Além disso, ele destaca a disparidade entre o que é ensinado nas universidades e as demandas reais das empresas. Em 2023, os cursos que mais formaram profissionais foram Análise e Desenvolvimento de Sistemas (34 mil), seguidos por Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (11,2 mil) e Ciência da Computação (9,3 mil).
Formação e mercado
O relatório da Brasscom também evidencia que o setor de tecnologia ainda reproduz desigualdades estruturais. Em 2023, 82,1% dos profissionais formados eram homens, enquanto as mulheres representavam apenas 17,9% – um aumento de apenas 1,6 ponto percentual em relação ao ano anterior. Quanto à etnia, quase metade dos formandos (48,1%) se declarou branca, enquanto 32,6% se identificaram como pretos e pardos, indicando que o setor ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar a diversidade.