A combinação de Inteligência Artificial (IA) e Internet das Coisas (IoT), conceito conhecido como AIoT, tem se consolidado como pilar para a transformação digital urbana. Em reportagem do portal InfraROI, especialista explica como essa integração dá origem a um “sistema nervoso digital” urbano, capaz de observar, interpretar e responder de forma proativa aos eventos em tempo real.
Segundo projeções da consultoria IDC, até 2026 mais de 55% das cidades globais terão investido em soluções de AIoT aplicadas à gestão de serviços públicos. Os ganhos potenciais vão de ajustes automáticos no trânsito até sistemas de monitoramento ambiental, passando por aplicações em segurança e prevenção de riscos. “A IoT observa. A IA interpreta. E juntas, essas tecnologias tornam a cidade capaz de responder com inteligência ao que acontece em seu território”, descreve Lucas Kubaski, diretor da Dahua Technology.
Mas, se os avanços são evidentes, os riscos também merecem atenção. O executivo sublinha que a privacidade deve ser um eixo central da agenda de inovação. “O desafio é aumentar a confiança na tecnologia, garantindo que a AIoT seja percebida como uma ferramenta de inclusão e não de controle”, afirma.
5G como habilitador

O debate sobre cidades inteligentes também passa pela infraestrutura que sustenta os projetos. Dados citados pelo portal Telessíntese mostram que 70% dos líderes de TI brasileiros consideram a conectividade uma barreira relevante à implementação de soluções de IoT. Apesar disso, 98% das empresas já têm iniciativas ligadas ao tema, em áreas como segurança no local de trabalho, monitoramento remoto e manutenção preditiva.
Esse cenário explica por que 94% das organizações declararam investir ou planejar investimentos em redes privadas 5G. Os casos de uso mais citados incluem conectividade em áreas remotas, rastreamento em tempo real de ativos, robótica e até geração de novos fluxos de receita.
A Associação Brasileira de Internet das Coisas (Abinc) promoveu recentemente um encontro para debater o tema, reunindo especialistas do setor. Para Yanis Stoyannis, líder do Comitê de Segurança da Abinc, o 5G é uma mudança de paradigma. Ele lembrou que a tecnologia pode oferecer velocidades até 100 vezes maiores que as do 4G, conectar até 1 milhão de dispositivos por quilômetro quadrado e garantir maior eficiência energética — prolongando em até dez anos a vida útil de baterias de sensores.
Outro diferencial é a arquitetura de network slicing, que permite segmentar a rede de acordo com necessidades específicas de cada setor, como saúde, indústria ou transporte público. Para cidades inteligentes, isso possibilita operar sistemas de mobilidade, segurança e serviços de forma simultânea e com diferentes níveis de prioridade e desempenho.
Especialistas também ressaltam que o 5G, por sua abrangência e capilaridade, precisa estar associado a uma governança robusta de dados. Afinal, quanto maior a conectividade, maior o volume de informações trafegadas e os riscos de segurança cibernética. O desafio não é apenas técnico, mas também regulatório, exigindo padrões claros de interoperabilidade, proteção de dados e responsabilidade compartilhada entre os atores do ecossistema.
Privacidade como fundamento da inovação

À medida que sensores se multiplicam e algoritmos ampliam sua capacidade de análise, cresce também a preocupação com privacidade e uso ético de dados. Como lembrou Lucas Kubaski, a confiança dos cidadãos depende de garantias de que informações sensíveis não serão exploradas de maneira indevida.
Tomar a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) como referência para criação de serviços em que não se trafeguem dados pessoalmente identificáveis é uma das abordagens propostas por DPOs brasileiras. O marco legal, ao mesmo tempo em que traz proteção, também dá base para usar os dados de forma correta. No contexto das cidades inteligentes, isso significa adotar soluções que preservem a anonimização, evitando o trânsito de dados pessoalmente identificáveis.
A combinação entre conectividade, inteligência artificial e IoT só ganhará legitimidade se vier acompanhada de transparência, segurança jurídica e governança de dados. Do contrário, a percepção pública pode transformar oportunidades em desconfiança.
Casos de uso em perspectiva global
Em artigo na Forbes, o colunista David Ly descreve como a combinação de IoT e IA está redefinindo os padrões de vida urbana. O mercado global de IoT deve superar US$ 3 trilhões em 2025, impulsionado pela demanda por infraestrutura resiliente e comunidades mais seguras.
Entre os casos de uso que ganham destaque, Ly cita a manutenção preditiva de infraestrutura crítica — de pontes e edifícios a redes de água e energia. Com sensores e análises em tempo real, é possível antecipar falhas e reduzir custos, além de aumentar a segurança da população. Outro exemplo é o monitoramento ambiental, com sensores capazes de medir poluição do ar, qualidade da água e até níveis de ruído, apoiados por modelos de IA que identificam tendências e subsidiam políticas públicas.
No campo da resposta emergencial, IoT e IA podem acelerar a atuação de bombeiros, defesa civil e segurança pública, usando drones, sensores de inundação e câmeras inteligentes. Há ainda aplicações voltadas ao cotidiano residencial: fechaduras inteligentes, sistemas de detecção de comportamento atípico e eletrodomésticos conectados, todos integrados a redes comunitárias de segurança.
A sustentabilidade é outro eixo central. Soluções de IoT e IA permitem otimizar o uso de energia, integrar fontes renováveis às redes de distribuição e reduzir desperdícios em serviços essenciais como água e coleta de lixo. Para Ly, o desafio das cidades não é mais saber se essas tecnologias serão implementadas, mas como garantir que os benefícios sejam distribuídos de forma equitativa e segura.
Em outro artigo sobre reconhecimento facial, o colunista destaca os riscos e melhores práticas para aplicações como controle de acesso ou segurança pública, sem afetar direitos individuais.
A evolução para cidades inteligentes depende de um equilíbrio delicado: a busca por eficiência, resiliência e sustentabilidade deve caminhar lado a lado com a proteção da privacidade, a clareza regulatória e a confiança da sociedade. O 5G abre a porta para uma nova geração de aplicações, enquanto a AIoT entrega os recursos para que sensores e algoritmos ajam em conjunto.
O que determinará o sucesso dessa agenda será a capacidade de criar um ecossistema inclusivo, onde inovação tecnológica e governança caminhem juntas. Nesse contexto, Brasil e América Latina têm a oportunidade de não apenas adotar soluções globais, mas também de desenvolver políticas e práticas que conciliem modernização urbana e direitos fundamentais.