Embora atuem em setores distintos, a Ambev e a MRS têm pontos comuns na busca de uma logística mais inteligente. Ambas usam a conectividade, por exemplo, para obter uma visão integrada das operações e reduzir o tempo parado das frotas, conforme mostrado durante painel da Futurecom 2025.
No caso da Ambev, um dos focos é a otimização do carregamento de caminhões em seus centros de distribuição, segundo André Fogaça, líder de Inovação Logística da companhia. Ele destacou que a ociosidade das frotas foi reduzida sensivelmente com a antecipação de informações por parte dos frotistas, processo que aposentou a burocracia de papel e alinhou informações dos transportadores com os centros de distribuição.
Já na MRS, os projetos incluem a melhoria no aproveitamento da malha ferroviária de 1,7 mil km, usada por ela e por outras operadoras ferroviárias. As iniciativas já envolvem, inclusive, a operação de trens semiautônomos supervisionados por humanos.

De acordo com Jean Prisco, gerente geral de Tecnologia da Informação da operadora logística, a MRS usa uma rede de fibra óptica em toda a extensão da malha, o que permite o rastreio da carga e gestão de ativos. Com essa infraestrutura, ela também monitora parâmetros como vibração e temperatura do material rodante, o que permite identificar, antecipadamente, a necessidade de manutenção e evitar problemas na via.
Data lake com dados de qualidade
Se a digitalização, com base na conectividade, é uma realidade nas duas empresas, a adoção da inteligência artificial (IA) vem sendo encarada de forma mais cautelosa na avaliação dos dois executivos.
Segundo eles, ambas estão na mesma jornada de IA, focada na construção de data lakes, ou seja, grande reservatório de dados coletados em várias frentes, mas com qualidade. Outra iniciativa em comum é a busca de aprendizado com parceiros que enfrentam problemas similares.

Tanto Prisco como Fogaça defendem que o principal desafio na aplicação de IA é a preparação interna, com destaque para:
Dados e processos: Prisco, da MRS, destaca que o projeto de IA não será bom, se os dados não forem estruturados ou se a solução não for integrada. Um processo “capenga” também não ajuda.
Cultura e letramento: É necessário capacitar e promover o letramento das áreas de negócio para o uso da IA. Fogaça, da Ambev, menciona o receio de estar atrasado e a necessidade de treinar pessoas, um pensamento recorrente entre todas as empresas que estão experimentando a IA.
Escala: Embora existam pilotos, somente 23% das empresas, segundo Prisco, conseguem escalar o uso de IA para toda a cadeia logística. E essa dificuldade é considerada geral e não por falta de tecnologia.
Em termos de aplicação de IA, as duas companhias não estão só. É o caso da Ford, que não é operadora logística como a MRS, nem uma grande fabricante como a Ambev, mas tem interesse direto no assunto.
Guillermo Lastra, diretor da montadora para a América do Sul, adianta que a empresa tem usado a IA para extrair dados dos veículos comercializados e que estão integrados à sua plataforma, com o objetivo de entender as falhas e atuar preventivamente.

Segundo ele, toda a linha de produtos possui um modem e está ligada em rede, emitindo dados sobre a saúde do veículo em tempo real. Os frotistas podem usar esses dados (sem custo adicional) no pós-venda conectado para prever modos de falha. Um dos ganhos é poder organizar a manutenção proativamente minimizando o tempo de parada, maximizando o tempo de uso e melhorando os custos logísticos. “Nenhum gestor de logística administra frota sem dados”, destaca Lastra.
Semiautônomos elétricos são sucesso
O executivo lembra que as limitações de infraestrutura ainda restringem a expansão da logística inteligente, entre elas a cobertura de rede 5G e a presença de eletropostos, para carros elétricos, fora dos centros urbanos.
De acordo com ele, grande parte das entregas atuais é feita por veículos semiautônomos elétricos, que têm sistemas de ajuda ao motorista, como a frenagem automática, que reduz o risco de colisões. Não se trata de um tema trivial: a colisão de um furgão de entrega não custa menos de R$ 20 mil. Para ele, a tecnologia aumenta a produtividade e reduz o custo operacional dos frotistas.
“O desafio é infraestrutura. Com rotas pré-definidas na logística, um veículo elétrico funciona bem, não circula mais que 100 km e pode voltar com meia-bateria de carga, em função da regeneração”, resumiu.
Ainda de acordo com ele, os veículos semiautônomos elétricos têm um custo operacional 40% menor do que os convencionais e 86% de redução nos investimentos em peças. O desafio é o custo de aquisição, um problema melhor resolvido entre as grandes empresas que investem mais para reduzir seus custos em geral.
Pedro Moreira, presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog), também ressaltou que a ociosidade das frotas é uma grande “dor” do setor, mas que a tecnologia pode ajudar nesse processo. Ela também pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa, quando as soluções envolvem a eletrificação e ajustes nas rotas.
As oportunidades de melhorias, na avaliação do executivo, envolvem o uso de IA e também de Internet das Coisas (IoT), mas o desafio é combiná-las com a velocidade e adequação necessárias. A conectividade é fundamental no processo e precisa ser total, desde os armazéns até os caminhões. Os dados, para ele, estão cada vez mais valiosos, ajudando nas predições e em eventuais manutenções.
“O letramento é fundamental para a cultura de IA”, resumiu, fechando um diagnóstico comum entre os especialistas em logística.
